Presidente da Cáritas do Algarve lamenta “realidade estrutural” da pobreza na região
O Presidente de Direção da Cáritas Diocesana do Algarve foi orador convidado no Encontro Diocesano das IPSS Canónicas, Centros Sociais Paroquiais e Misericórdias do Algarve, no dia 16 de maio, em Ferragudo.
No Encontro o presidente disse que a situação da pobreza na região “é uma realidade estrutural”, com “índices acima da média nacional” e “muito ligada à dependência de um monossetor económico: a hotelaria e a restauração”.
Na iniciativa, realizada através do Departamento da Pastoral Social da Diocese do Algarve no seu Centro Pastoral de Ferragudo com cerca de 60 participantes, em que apresentou o panorama da pobreza na região, Carlos de Oliveira disse que “a forte concentração de trabalhadores em setores como a hotelaria e a sua grande dependência nesta área refletem indicadores de pobreza mais elevados que na média do país”, lembrando que a “oferta de trabalho neste setor é marcada pela sazonalidade”.
O responsável da Cáritas algarvia, citando o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, Álvaro Mendonça e Moura, alertou que “acabar com a imigração traria consequências económicas gravíssimas” devido à grande dependência daquele setor da mão-de-obra imigrante que, “sem oportunidades nem documentos limita-se a aceitar qualquer tipo de trabalho, principalmente na agricultura ou hotelaria”.
Carlos de Oliveira acrescentou que “o Algarve é uma região fortemente marcada pela multiculturalidade, constituindo a segunda região do país com a maior presença de população imigrante, havendo um longo caminho a percorrer para implementar políticas de acolhimento, promoção e de integração, por parte de entidades locais”. O presidente da Cáritas Diocesana assegurou que os “imigrantes no Algarve são um quarto dos residentes no país”, que “a taxa de desemprego entre imigrantes é o dobro da média nacional, que “os imigrantes ganham, em média, menos 94 euros mensais que os portugueses e um em cada três vive em risco de pobreza ou exclusão social”.
Aquele dirigente denunciou que “a grande maioria chega à região após o pagamento de cerca de 10 mil euros”, sendo muitos “enganados por máfias com falsas promessas e falsos contratos”, e que “a dificuldade no alojamento, aliada à falta de habitação, é um problema acrescido, pois dificilmente conseguem arrendar um imóvel”, chegando a pagar 350 euros por uma “cama de solteiro num quarto com seis pessoas”.
O orador, que evidenciou que “o acesso à habitação constitui um dos principais problemas” da região, com “uma taxa de sobrecarga das despesas em habitação que ronda os 9,1%”, explicou que “os preços praticados, quer nas casas para venda quer para arrendamento, colocam sérias dificuldades no acesso a uma habitação condigna por parte das famílias de baixos rendimentos ou até médios”.
Carlos de Oliveira deteve-se na análise do crescimento, variação, densidade demográfica da população, peso e origem da população estrangeira e imigrantes, desemprego, contratos de trabalho, apoios do Estado, nível de escolaridade dos residentes e nas taxas de jovens que não trabalham nem estudam, de abandono escolar e de violência doméstica nos últimos anos.
Aquele responsável referiu que, “em 2023 no continente, a região com maior taxa de pobreza foi a do Algarve, com 19,7%”, tendo, ainda assim, representado um decréscimo de 2,4% relativamente a 2022. Carlos de Oliveira garantiu que “um em cada 10 trabalhadores em Portugal é pobre”, mas “trabalha, tem salário, contribui com o seu esforço para a riqueza do país” e, apesar disso, “não sai da pobreza”. “Quase meio milhão de pessoas que trabalham são pobres”, lamentou, explicando que “ter emprego não é sinónimo de viver acima do limiar da pobreza” e que “em 2023, no país, quase um em cada dois desempregados estavam em risco de pobreza”.
O orador considerou que, por isso, que “a pobreza não é um é um problema dos pobres, mas da sociedade”. “Quando olhamos para a pobreza como um problema exclusivo dos pobres, olhamos para a sua mitigação e não para a sua erradicação”, alertou, sublinhando que “a pobreza é um fenómeno com várias dimensões” e “não representa apenas falta de recursos financeiros, de rendimentos obtidos através do trabalho ou de apoios sociais”. “É mais abrangente. Representa uma situação de vulnerabilidade, precariedade, falta de oportunidades e de baixo exercício de direitos, dificuldades de acesso à educação, saúde, cultura, habitação emprego, serviços, infraestrutura e até dificuldade no acesso à informação e participação política”, explanou.
Aquele dirigente defendeu que “a pobreza e a exclusão social são fenómenos que apenas poderão ser combatidos com intervenções multidisciplinares, através da busca de alternativas de intervenção, sempre estruturantes, muitas vezes focadas em cada família ou em circunstâncias individuais”. “É necessário envolver os mais vulneráveis nas decisões a tomar, tendo em atenção que a distribuição desigual da pobreza é um desafio diretamente associado a fatores estruturais de cada região, sendo de grande importância o papel das políticas locais dirigidas às populações vulneráveis”, desenvolveu.
Explicando que, no Algarve, os estrangeiros representam 22,5% da população, contrastando com os 6,8% do resto do país, o presidente da Cáritas algarvia admitiu que o crescimento populacional se deve aos fluxos migratórios e aumento da população estrangeira residente. “Nas duas últimas décadas a população residente no Algarve cresceu 18,3%, enquanto no mesmo período, a população portuguesa decresceu 0,1%”, evidenciou, explicando que “o Algarve passou a representar 4,52% do total da população nacional, quando em 2001 representava 3,83%” e que “nos últimos 20 anos a população do Algarve registou um crescimento de 72.200 residentes”.
Entre as circunstâncias que podem levar a situações de pobreza, deteve-se na realidade do divórcio, do desemprego, da doença, da emigração, da juventude, da infância, da violência doméstica (no namoro), da deficiência, dos sem-abrigo e dos reclusos, para além da da imigração. Por outro lado, avançando que, de acordo com dados do INE, “a população que acorreu ao Algarve para gozo de férias em 2022 registou um número de dormidas de 19 milhões”, questionou se a região tem “respostas estruturais e de equipamentos sociais para este fluxo de pessoas”.
Por fim, o presidente da Cáritas algarvia defendeu a necessidade de “articular em rede as instituições”, referindo-se também às autarquias e família, para poderem “rentabilizar os parcos recursos de que dispõem” porque “dispõem de um maior conhecimento da realidade e dos problemas que a população enfrenta”. “A par das competências técnicas é importante formar”, acrescentou ainda, considerando que as instituições da Igreja precisam “apostar na formação” dos colaboradores, a partir da Doutrina Social da Igreja, “para que possam ter conhecimento dos valores que servem de base à atuação social”.
Carlos de Oliveira lamentou que “mais de metade” das paróquias algarvias não tenha “uma pastoral social organizada”. “É de grande importância a criação e revitalização de grupos sócio-caritativos, Cáritas Paroquiais, conferências vicentina”, considerou.
Fonte: Folha do Domingo