Cáritas do Algarve promove conferência “Pobres, Rostos e Histórias” – 10% dos trabalhadores portugueses são pobres e no Algarve a situação é ainda pior
A Cáritas Diocesana do Algarve e a paróquia de Vila Real de Santo António promoveram no dia 16 de novembro uma conferência no âmbito do VIII Dia Mundial dos Pobres sobre o tema “Pobres, rostos e histórias”.
A iniciativa teve lugar na Biblioteca Municipal pelas 21h30 e foi proferida pela presidente do CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social, Ana Maria Cardoso, instituição que se dedica, entre outras áreas, à investigação da pobreza e exclusão social, pobreza infantil; juventude e fatores de risco; violência juvenil; minorias étnicas e culturais; políticas sociais e direitos humanos.
A Dra. Ana Maria Cardoso explicou que os indicadores consideram pobre uma pessoa que aufere menos de 591 euros por mês e acrescentou que no Algarve o salário médio é mais baixo do que do resto do continente em mais de 180 euros mensais.
A oradora lembrou ainda que a região tem ainda a particularidade do trabalho sazonal com “muita gente que não trabalha o ano inteiro” e conta com “mais trabalho a tempo parcial do que no resto do país”, com “emprego pouco qualificado” e com “uma taxa de abandono precoce do sistema de ensino mais elevada” do que a média nacional.
“Temos uma elevada taxa de pobreza entre a população trabalhadora porque os nossos próprios salários são baixos”, considerou aquela investigadora especializada na problemática da pobreza, anunciando que, segundo dados de 2022, 17% da população portuguesa está numa “situação de pobreza económica com um rendimento abaixo da linha de pobreza”, medida em função do valor salarial acima indicado.
A socióloga acrescentou que entre licenciados a “probabilidade de ser pobre desce para 5%”. “Isto significa que a educação é uma alavancagem e um fator de proteção à pobreza”, constatou, lembrando que “o insucesso escolar é socialmente seletivo”. “As pessoas que conhecem o insucesso escolar são tendencialmente aquelas que se enquadram em famílias com rendimentos mais baixos e também com níveis de instrução mais baixos. Portanto, há aqui um fator quase reprodutor. Se queremos trabalhar no sentido de combater a pobreza, um dos caminhos mais importantes e essenciais é promover um maior nível de instrução das gerações mais jovens”, alertou.
“As crianças são um fator de vulnerabilidade acrescida”, acrescentando ser nos menores de 24 anos que se encontra uma “percentagem de pobreza mais elevada”. “Quando olhamos para a composição das famílias são precisamente as famílias com crianças aquelas onde há também uma maior vulnerabilidade. Isto significa que as crianças são um encargo. Isto é horrível de dizer”, desenvolveu, considerando que esta realidade concorre para haver “uma taxa de natalidade a descer e um desequilíbrio brutal do ponto de vista demográfico” em Portugal.
A investigadora disse ainda que “a pobreza é multidimensional” porque “não significa apenas ter menos dinheiro, mas significa muitas vezes viver em condições das quais as pessoas se envergonham”. Como exemplo deu o caso de uma criança que se envergonha por não poder levar amigos a casa porque a sua habitação não tem condições. “A vergonha que esta criança sente vai com ela durante toda a vida. Nós podemos sair da pobreza, mas depois a pobreza não sai de nós porque estas memórias, absolutamente marcantes e inibidoras de um desenvolvimento harmonioso, ficam e marcam. E isto é um rosto da pobreza. O rosto da pobreza é um rosto marcado pelas dificuldades”, lamentou, garantindo que “a pobreza multidimensional tem esta componente de âmbito psicológico”. “Não é só uma questão social, nem económica. E dentro das condições sociais não é só algo que tem que ver com a educação. Tem que ver com a habitação, com o emprego, muitas vezes com a saúde”, elucidou.
A presidente da CESIS lamentou serem “muitos os preconceitos em relação aos pobres e à própria pobreza”, “que nem sempre facilita o trabalho de quem está no governo para implementar um conjunto de medidas” que a combata e defendeu que “a medida do Complemento Solidário para Idosos e o aumento das pensões têm feito com que os pensionistas sejam hoje menos vulneráveis à pobreza do que há uns anos”.
A oradora disse ainda que “as pessoas imigrantes não vêm roubar postos de trabalho”, mas “ocupar postos de trabalho que as pessoas portuguesas já não querem desempenhar”. “Nós precisamos da população imigrante. Há um balanço positivo entre aquilo que a Segurança Social gasta com a população imigrante e o dinheiro que entra dos impostos e contribuições. Esta imigração mais jovem em idade ativa têm uma outra função que é proporcionar um maior equilíbrio da balança demográfica que está altamente a nosso desfavor”, complementou.
Por fim, a socióloga lamentou que haja “nojo da pobreza”. “Não devíamos ter porque a pobreza pode tocar a todos. Aliás, a crise pandémica e, anteriormente, a crise financeira que se transformou em crise económica e depois em crise social, mostrou bem que a pobreza pode tocar a pessoas que não tinham passado pela pobreza”, alertou, advertindo que “a crise da habitação pode dar origem a uma nova pobreza”.
Fonte: Folha do Domingo