Jornadas de Ação Sociocaritativa da Diocese do Algarve desafiaram a “uma Igreja renovada” para construção de um “mundo diferente”
As XXI Jornadas de Ação Sociocaritativa da Diocese do Algarve deixaram claro no último sábado aos 64 participantes que “um mundo diferente não só é desejável como é possível”, se se comprometerem na sua transformação.
Carlos Oliveira – Presidente da Cáritas Diocesana do Algarve
Juan Ambrosio veio assegurar que se está a viver atualmente uma “mudança épocal paradigmática”. “Até mesmo a experiência religiosa está a metaforsear-se. Estamos a construir verdadeiramente um mundo novo”, acrescentou o teólogo e professor da Universidade Católica Portuguesa na iniciativa que teve lugar no Seminário de São José de Faro, sob o tema “«Outro Mundo é possível» – O compromisso social cristão num tempo de transformação”, promovida através da Cáritas Diocesana do Algarve.
Juan Ambrosio
O orador, que disse ser preciso identificar-se “com cuidado os desafios” para que esse “outro mundo seja possível”, defendeu ainda ser “em tempo de crises que se têm de tomar decisões”. “Se olhamos o futuro a partir do medo, quase inevitavelmente vão surgir os projetos que pretendem devolver-nos ao passado”, advertiu, considerando que “esta é uma das razões que explica tantos movimentos fundamentalistas” na atualidade e que “tradição e tradicionalismo” “são coisas muito diferentes”.
“Em vez de olharmos para esta situação que estamos a viver como um problema e uma ameaça, acho que ganharemos mais em olhá-la como uma oportunidade”, considerou, exortando à “leitura crente dos sinais dos tempos”, ou seja, que eles sejam interpretados “à luz do Evangelho”, mas “em diálogo com o mundo”. Nesse sentido, lembrou que esses sinais são lidos na história humana, “através de um discernimento sinodal coletivo” e alertou que esse exercício “vai criar tensões”.
Identificando como sinais a “primazia da vivência individual”, a “secularização”, a “pluralidade”, “a crise das estruturas da transmissão”, a “destradicionalização e perda da memória”, a “cultura do descarte”, a “globalização da indiferença”, a “transformação do humano e a fragmentação da humanidade” ou a “individualização do crer”, Ambrosio considerou que “a pluralidade pode e deve ser uma riqueza” e apelou
apelou à “mediação na experiência cristã” e à “inculturação da fé” que “não se trata só de fazer com que a fé marque a cultura”, mas “também que a cultura marque a fé”. O orador constatou ainda a “não evidência de Deus”. “Se queremos que a pessoa descubra Deus, não lhe podemos apresentar Deus a partir da categoria da evidência. Temos de lhe propor Deus a partir da categoria da experiência”, distinguiu, destacando que “esse encontro só pode acontecer na comunidade crente”.
“Precisamos de uma Igreja renovada”, defendeu, referindo-se a uma “Igreja plural”, identificada com a “imagem do poliedro” contraposta à do “cilindro”. “A Igreja tem de ser plural porque o mundo é plural”, reforçou. “Precisamos de passar de um Cristianismo herdado e «eclesiastizado» a um Cristianismo personalizado. Não podemos continuar a viver uma experiência cristã simplesmente daquilo que herdámos. Não podemos prescindir daquilo que herdámos, mas temos de criar coisas do nosso tempo para o nosso tempo. Temos de passar para uma fase em que cada um assume as responsabilidades da sua condição batismal”, desenvolveu, desafiando à mudança “de um modo autorreferencial de propor e viver o Cristianismo a uma atitude de saída e de ida às periferias” como propõe o Papa Francisco.
Defendendo a retoma de uma “hierarquia de verdades no Cristianismo”, em que a “primeira é a misericórdia de Deus”, o teólogo exortou a um “Cristianismo (re)situado no coração do mundo e do humano”. “Temos de proporcionar aos nossos contemporâneos a experiência de Deus a partir do coração do mundo”, afirmou, apelando à passagem “de um Cristianismo principalmente centrado nas normas e nas doutrinas para um Cristianismo centrado na relação de Deus com as pessoas e no seu projeto para a humanidade”. “Ainda temos um Cristianismo demasiado centrado em normas e doutrinas. Não podem ser elas o único critério para medir a qualidade do cristão. O Cristianismo vai ter de aprender a levar a sério a diversidade dos itinerários humanos na relação com Deus. São múltiplos os caminhos para se chegar até Deus”, desenvolveu, referindo-se a uma “variedade de itinerários humanos que foge à dicotomia demasiado simplista” do “regular e irregular” com que os cristãos estão “habituados a pensar o Cristianismo”.
Nesse sentido pediu que se passe “de um Cristianismo que tudo sabe para um Cristianismo que se sabe capaz de aprender”, que possa “ousar falar dele com humildade e como quem contempla”; “de um Cristianismo cristandade para um Cristianismo que não tem medo de ser minoria”. “Uma minoria qualificada e qualificadora” porque “só na medida em que for qualificada pode ser qualificadora”, especificou, considerando que cada comunidade cristã “devia ser qualificadora do tecido social” onde se encontra e que “o interface entre as comunidades cristãs e o mundo passa pelo setor da ação social”. “A ação social da Igreja parece-me cada vez mais importante na transformação do mundo”, vincou.
O docente considerou assim que a “transformação do mundo” pedida aos cristãos é a de “ousar proporcionar a experiência da fresta” por onde passa a luz. “O exercício da leitura dos sinais dos tempos, procurando entender as interpelações de Deus em cada momento histórico e do cuidar uns dos outros, pode ser a fresta por onde o inesperado pode entrar, pode ser oportunidade de um mundo novo que se começa a construir”, afirmou, considerando que este “pode ser tempo favorável para fazer emergir algo radicalmente novo”. “A tarefa que temos pela frente é ciclópica, mas, se calhar, o que nos está a ser pedido neste momento é sermos esta fresta”, sustentou, acrescentando ser “preciso ensaiar novos caminhos, uma nova maneira de viver”.
De tarde, os participantes — oriundos das paróquias de Algoz, Sé, São Pedro (incluindo da comunidade de São Paulo) e São Luís de Faro, Quarteira, conferências vicentinas de Aljezur e Tavira, Cáritas paroquiais de Portimão, Boliqueime, São Brás de Alportel e Loulé e do Setor Diocesano da Pastoral Juvenil — divididos por grupos foram desafiados a olharem para as suas realidades e detetarem um ou dois desafios “do ponto de vista da transformação do mundo” e a sugerirem uma ou duas atitudes a ser tomada.
O bispo do Algarve, D. Manuel Quintas, que esteve presente na abertura do encontro considerou o seu tema “importante” e “essencial no que diz respeito à identidade da própria Igreja”.
D. Manuel Quintas – Bispo do Algarve
Fonte: Folha do Domingo